Que tal acordar um dia e tomar a decisão de mudar drasticamente a sua rotina? Foi o que fez a Flávia, uma mineira nascida em Belo Horizonte, que vem explorando diferentes países sul-americanos e estados brasileiros.
Formada em publicidade, Flávia se descobriu uma pessoa inquieta e avessa à rotina. Com 10 anos de atuação profissional na área de comunicação, ela de repente se cansou e decidiu viver novas experiências como mochileira.
Isso foi em 2015. Anos se passaram e Flávia ainda está na estrada, acumulando histórias incríveis, sobre as quais tivemos a oportunidade de conversar durante a passagem dela pelo JOY, em Brasília.
Hoje Flávia é uma "worldpacker", termo usado para descrever viajantes que rodam o mundo buscando oportunidades de intercâmbio cultural e voluntariado. Por meio da plataforma worldpackers.com, os viajantes podem encontrar uma variedade de projetos e estabelecimentos, como hostels, pousadas, eco vilas, fazendas e ONGs, que oferecem acomodação em troca de trabalho voluntário por um período determinado.
Confira essa conversa incrível que tivemos com a Flávia abaixo!
JOY: Flávia, conta pra gente um pouco mais sobre você?
FLÁVIA: Bom, eu nasci em BH, mas como diz a música de Milton Nascimento: “sou do mundo, sou Minas Gerais”. kkkkkk Sou uma pessoa meio inquieta. Hoje posso dizer que não gosto muito de rotina. Acho que estou em busca de algo, mas não sei dizer exatamente o que é. E também não estou muito ansiosa para saber... Estou curtindo muito esse caminho, vivendo de forma leve, despreocupada, conhecendo mais sobre culturas, pessoas e experimentando coisas novas.
JOY: De onde surgiu essa ideia de pegar a estrada e fazer um mochilão?
FLÁVIA: Eu trabalhava na área de comunicação há cerca de 10 anos. Chegou um momento que eu percebi que não estava mais curtindo aquela rotina que eu levava. Era engessada e eu só conseguia viajar nas férias. Não estava satisfeita com isso. Foi aí que me veio a ideia de fazer um mochilão.
JOY: Você começou a sua jornada em 2015. Por onde você já passou?
FLÁVIA: Quando comecei o meu mochilão, o plano era viajar por um ano pela América do Sul e depois voltar para a minha profissão de publicitária. Queria tirar o tal “ano sabático” que o povo fala. Mas acabou sendo mais longo do que eu previa. Nesse tempo estive em mais de 10 países na América do Sul. Faltam Uruguai e Guiana Francesa apenas. Também conheci muitos estados Brasileiros, principalmente do nordeste e agora do centro-oeste.
JOY: Como foi o planejamento para fazer essa viagem?
FLÁVIA: Quando eu decidi que faria o mochilão de verdade, comecei a economizar e fazer um pé de meia. Foi difícil, porque naquela época eu era bem consumista. Tive que fazer alguns sacrifícios, como deixar de sair final de semana e vender algumas coisas que eu tinha. Eu até abri um brechó online e acabei vendendo quase tudo: roupas, calçados, coleção de discos... tudo.
No meu último aniversário antes de sair de BH, o pessoal perguntava o que eu queria de presente, eu pedia: dinheiro. Para que ninguém ficasse constrangido em dar um valor baixo, uma amiga fez uma caixinha tipo aquelas caixinhas de Natal, “Ajude com a viagem da Flávia”. O pessoal colocava um dinheirinho, nem que fosse um real.
JOY: E como era o controle das finanças durante a viagem?
FLÁVIA: No começo eu anotava os gastos num caderninho. Eu tinha aquela mentalidade de dona de casa. Só depois eu vi que precisava perder o controle de algumas coisas. Descobri também que existia a possibilidade de fazer voluntariado, trocando trabalho por hospedagem e fazendo bicos temporários.
Além disso, eu tento ser econômica. Gasto mais com passeios, que pra mim são prioridade, como museus, coisas culturais... Eu não compro lembrancinhas, até porque normalmente não tenho onde carregá-las.
JOY: E por onde começou a sua jornada?
FLÁVIA: Começou no fim de 2015 por Manaus, no Amazonas. Lá me hospedei no Local Hostel. De cara eu já tive uma primeira experiência como worldpacker, ajudando nos eventos do hostel. E fui aprendendo a me virar. Por exemplo, o hostel tinha uma parceria com uma empresa de turismo que fazia vários passeios na selva. Eu fiquei curiosa e entrei no site dessa empresa pra ver o que eles tinham pra oferecer. Só que, na verdade, eu vi que dava pra ajudar a melhorar os textos do site. Aí eu pensei “poxa, vou oferecer um serviço de revisão do site, escrever em português e inglês e, em troca, eles dão descontos em passeios.” Deu super certo! Foi muito legal!
Joy: Mas seu objetivo era viajar pela América do Sul. Quando você finalmente saiu do Brasil?
FLÁVIA: Quando saí de Manaus, fui para o Suriname. Na verdade o objetivo era ir pra Guiana Francesa, mas não consegui o visto. Como tem muito garimpo por lá, eles dificultam a entrada dos brasileiros. Eu tinha vontade de conhecer uma base de lançamento de foguete que tem por lá, mas infelizmente não deu. Aí, como eu não queria viajar para ficar estressada, e sim para relaxar, nem esquentei muito. Fui parar no Suriname.
JOY: E como foi essa passagem pelo Suriname, sendo esse o seu primeiro destino fora do Brasil?
FLÁVIA: Chegando no Suriname, acabei achando um cara que oferecia “couch surfing” para viajantes, em Paramaribo.
Quando cheguei no lugar que ficaria, parecia um cativeiro. Era tipo um lote com duas casinhas. Ele morava na casa dos fundos, que era uma casa simples, mas normal. E eu na casa da frente, que parecia uma casa mal-assombrada. Faltavam telhas, o banheiro parecia de rodoviária... Era sujo, o vaso era torto... Foi um choque pra mim, porque eu sempre fui muito da limpeza, da organização, da assepsia.
Fiquei com vontade de ir embora, mas tive um momento de reflexão. “E se essa for a realidade desse cara?” A gente não deve esperar que as pessoas recebam a gente com uma hospitalidade mineira, que era o que eu estava acostumada. Isso pra mim foi importante entender. O cara estava disposto a me receber. Pensei: “baixa a bola, Flávia”. Se eu não mudasse meu jeito, eu não iria curtir a viagem.
JOY: Nessas primeiras experiências a gente vai quebrando o nosso escudo, né? Vai começando a se abrir mais... E as coisas boas vão acontecendo mais naturalmente em seguida.
FLÁVIA: Sim! Fiquei uns 5 dias na casa desse cara, que ficava na periferia da capital. Eram uns três ônibus pra visitar as coisas históricas, os museus, etc. Um dia eu fui comprar um negócio numa lojinha e um senhor me ouviu falando com sotaque. Ele se ofereceu pra fazer um city tour. Falou que era difícil ver turista, principalmente na periferia. Ele tinha uma caminhonete, era um cara mais velho... E assim eu fui aprendendo a confiar mais nas pessoas, e comecei a ver que tinha muito mais gente boa do que gente ruim no mundo.
JOY: Saindo do Suriname, você foi pra onde?
FLÁVIA: Fui pra Guiana Inglesa e Venezuela. Fui pra Venezuela meio que por acaso, porque na verdade eu queria muito conhecer o Monte Roraima. Você entra no Monte Roraima pela Venezuela, em Santa Helena. Gostei tanto da Venezuela que acabei ficando 3 meses por lá. O pessoal era muito são, muito esclarecido, muito consciente da história deles, muito politizado... Eu achava que seria impossível superar aquela experiência. Foi massa!
Depois fui pra Colômbia, Equador e Peru. Fiquei duas semanas em Huanchaco, uma cidade balneária conhecida pelo surfe. Lá eu fiquei em um hostel chamado Frogs Chillhouse. Acabei ficando um ano Peru.
Depois fui pra Argentina e fiquei 3 meses visitando o norte do país. Nem cheguei a conhecer Buenos Aires. Queria uma coisa mais autêntica.
De lá, voltei pra Cusco, no Peru. Depois fomos pra Bolívia, onde passei uns 3 meses. Em seguida Paraguai e Chile.
JOY: E quando você decidiu voltar ao Brasil?
FLÁVIA: Um belo dia decidi seguir com meu mochilão pelo Brasil. Fui parar no Maranhão, porque queria muito conhecer os Lençóis Maranhenses. Lá eu fiquei no Hostel Aquarela e conheci uma worldpacker que me incentivou a visitar a capital, São Luis. A princípio eu não iria pra lá, mas quando cheguei conheci uma outra menina super-animada e fiquei uma semana na casa dela. Era começo do pré-carnaval e tava tendo os bloquinhos no centro histórico.
De lá, comecei uma jornada pelo litoral do Brasil. Fui para o Piauí, conheci o Delta do Parnaíba, Luís Correia, praia dos Coqueiros... O litoral do Piauí é pequeno, mas as praias são muito lindas.
Fui parar em Taíba, que é uma praia de kitesurf no Ceará. Em Fortaleza peguei um couch surfing na casa de um médico. Achei incrível que ele tirou o dia de folga pra me apresentar a cidade. Fomos no Centro Cultural do Belchior, na praia de Iracema, no Dragão do Mar.
Ainda quando eu tava na Venezuela, eu conheci duas pessoas de Fortaleza num ônibus. A gente ficou amigos de redes sociais. Quatro anos se passaram e quando eu tava indo pra Fortaleza eu mandei mensagem pra um dos meninos. Acabei fiquei mais um bom tempo por lá. Nesse período também fui para o Festival de Jazz e Blues em Guaramiranga, que é uma cidade que faz frio!
Depois consegui uma carona pra Natal com um amigo de um amigo, que era músico. No caminho, ele queria parar em Mossoró porque ia participar de uma banca de doutorado de violão clássico. Aí o papo tava legal, e eu já tava na carona... acabei participando da apresentação. Kkkkk
Em Natal eu fiquei na casa de uma pessoa Baha’i. Ele dava curso sobre a filosofia deles. Foi super-interessante. No Rio Grande do Norte, eu queria mesmo conhecer a cidade de Nísia Floresta, que foi nomeada em homenagem à escritora. Nísia Floresta foi uma feminista que lutou muito pelos direitos das minorias. Foi uma mulher muito pioneira, nascida no Rio Grande do Norte. Uma das lutas dela era pela educação das mulheres. Naquela época as mulheres estudavam em casa, e ela abriu uma escola para educar mulheres.
Depois de Natal fui pra Pipa, onde fiquei uns 5 dias. Lá eu nadei com os golfinhos às 5 horas da manhã. Foi incrível.
JOY: Como veio parar em Brasília?
FLÁVIA: Eu tinha um plano de conhecer o centro-oeste. E Brasília fazia parte disso. Mas primeiro eu planejei conhecer a Chapada dos Veadeiros. Só que, quando eu faço essas viagens, eu gosto de alternar entre cidades pequenas e cidades grandes, porque essa parte de diversão, arte e cultura, tem muito nas cidades maiores. Eu sinto falta de cinema, de museu, de eventos culturais. Infelizmente isso você só encontra em cidade grande. A não ser que tenha o evento do ano da cidade, como festivais e tal.
JOY: E como foi sua experiência na Chapada dos Veadeiros?
FLÁVIA: Maravilhosa! Gostei muito do clima de lá. Tem uma áurea mística. Tem as cachoeiras muito próximas umas das outras e uma cultura de carona que facilita muito para quem é mochileiro. São muitas cachoeiras e elas são muito diferentes entre si. Um tem um poço verde, outras mais marrom... Trilhas abertas no cerrado, outras mais fechadas. É uma diversidade enorme. Isso eu achei o máximo! Não vi ET, mas um dia tava chovendo muito e tinham muitos clarões. Não eram trovões... Eu fiquei hipnotizada.
JOY: O que você recomenda para novos visitantes da Chapada?
FLÁVIA: Uma coisa que eu não fiz, mas me arrependi, foi comer o pastel de pequi com palmito que tem na lanchonete da Cachoeira dos Cristais. Não deixem de ver o pôr do sol no Mirante no vilarejo de São Jorge. Não deixem de visitar a cachoeira de Macaquinhos, a Catarata dos Couros, e as cachoeiras Cordovil e do Segredo. Nessa ordem.
JOY: Agora que você já está em Brasília há algumas semanas, o que você recomenda para quem vem visitar a cidade?
FLÁVIA: Eu recomendo o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Eu também gostei muito da Ermida Dom Bosco, onde dá pra fazer trilha pela beira do Lago Paranoá. Acho legal esse negócio de ter um lago limpo no meio da cidade. Em BH tem a Pampulha, mas é bem poluído. Nadar no Lago Paranoá foi uma experiência bem legal!
JOY: Depois de Brasília, qual será o seu próximo destino?
FLÁVIA: Depois de Brasília eu vou para Alexânia no Goiás. Lá tem um projeto de desenvolvimento de mapas de topografia e cartografia. Vamos fazer classificação de árvores. O trabalho é fazer o checklist e classificação das árvores, nome das espécies, e colocar as coordenadas no Google Earth.
JOY: Qual foi o seu destino favorito até o momento? Qual foi o lugar mais surreal que você já visitou?
FLÁVIA: Cusco é o lugar pra onde eu voltaria quantas vezes me pedissem. Eu acho que a lá tem tudo, menos o mar. A natureza é muito diversificada. Tem selva, tem neve, tem muito rio, tem o vale sagrado dos Íncas, um monte de sítio arqueológico, muita história... Tem muita opção cultural, de lazer, esporte radical... É um lugar muito internacional. E é a cidade mais turística da America Latina. Os nativos falam Quéchua e alguns sequer falam espanhol. Então eles mantêm a cultura deles muito viva.
JOY: Como foram suas experiências como voluntária, ou worldpacker?
FLÁVIA: É importante lembrar que eu tava querendo um ano sabático. Mas o voluntariado e a permuta foi uma forma que achei de viabilizar a experiência que eu queria ter. Depois eu descobri que, como voluntária, eu podia ter experiências diferentes. Por exemplo, no norte do Chile, no Vale do Elke, eu fiz um trabalho de bioconstrução na Casa Bagua. Eles tinham uma cervejaria também. Então a gente trabalhava fazendo tijolos de barro e tomando cerveja. Fizemos decoração também com argila e cola de cacto. Colocamos garrafas nas paredes para fazer vitrais. Tinha uma jacuzzi aquecida com lenha. Foi uma coisa muito nova pra mim.
JOY: Agora que você tá na estrada há algum tempo, qual é a avaliação que você faz dessa experiência?
FLÁVIA: A primeira coisa que eu descobri é que não é uma experiência para todo mundo. Pra mim, sim, mas também não sei dizer até quando. Eu sou mais desprendida com relação a família, relacionamentos, etc. As pessoas romantizam demais as viagens. Não é um turismo 24 horas por dia, como as pessoas acham que é. Mas eu acho legal nos dias que eu não faço nada. E eu não quero me sentir culpada por passar um dia não fazendo nada, descansando. Tá tudo bem não viver intensamente toda hora.
JOY: Qual é a dica que você dá pra quem tem essa vontade de viajar, mas ainda não botou o pé na estrada?
FLÁVIA: Só vai. Eu planejei muito, mas principalmente porque eu era uma pessoa de planejamentos. Hoje eu não sou mais tanto assim.
JOY: O que as suas viagens te ensinaram?
FLÁVIA: Me ensinaram principalmente que existem mais pessoas boas do que ruins no mundo. Tem muita gente pronta pra te ajudar. Encontrei muita gente boa nesse caminho, que me ensinou também que as adversidades podem se tornar em algo positivo. Uma coisa que não deu certo, pode te levar para algo melhor.
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